A Criação - O argumento ontológico

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Caro Dr. Craig,
Este é o complemento de um e-mail que lhe enviei pouco tempo atrás sobre o argumento ontológico (AO). A primeira pergunta que lhe faço diz respeito à correção do argumento de maneira geral. Mas a segunda tem a ver com as implicações teológicas do argumento.
Em primeiro lugar, então, a correção do argumento.
Particularmente penso na versão do AO proposta pelo senhor em To Everyone an Answer (Inter-Varsity Press, 2004) [Ensaios apologéticos, Ed. Hagnos, 2006] conjuntamente com o seu texto a respeito do argumento em Philosophical Foundations (Inter-Varsity Press, 2003) [Filosofia e cosmovisão cristã, Vida Nova, 2005] (todavia, a interpretação do argumento que faço abaixo não é uma citação exata):
(AO1) É possível que exista um ser maior do que tudo (i.e., um ser maior do que tudo quanto se possa conceber). Em outras palavras, um ser de grandeza superior a tudo que existe em algum mundo possível.
(AO2) Se existe um ser maior do que tudo em algum mundo possível, então ele existe em todo mundo possível.
(AO3) Se existe um ser maior do que tudo em todo mundo possível, então ele existe no mundo real (já que o mundo real é claramente um mundo possível).
(AO4) Se um ser maior do que tudo existe no mundo real, então um ser maior do que tudo existe realmente.
O meu problema com esse argumento é que parece que podemos nos valer da forma geral da premissa-chave (i.e., É possível que X exista) e, então, acoplar várias definições diferentes de X para chegar a respostas absurdas.
É óbvio que definir X como algo semelhante a uma ilha de grandeza superior não funciona, uma vez que, como o senhor além de outros explicam com acerto, as ilhas são, entre outras coisas, inerentemente materiais (e, portanto, são contingentes com relação à existência de espaço e tempo); ademais, não é nada óbvio o que leva uma ilha a ser considerada grande (para alguns envolveria uma abundância de palmeiras; para outros, envolveria a inexistência total de palmeiras). Assim, definir X dessa maneira não parece funcionar.
Então, e se definirmos X como um ser que existe necessariamente, mas não é, digamos, necessariamente onisciente? O argumento apresentado pelo senhor contra essa ideia (se é que entendi certo) é que Deus deve ser tal que nada pode existir à parte do seu poder, o que significa que deve existir um mundo possível no qual apenas Deus existe. O senhor, então, afirma que a existência de Deus é, portanto, logicamente incompatível com a existência de X, o que implica que X é um conceito incoerente.
Mas tenho dois problemas com esse argumento.
Em primeiro lugar, para que Deus possa tornar real um mundo no qual X não existe é como se pedisse a ele para fazer algo logicamente impossível (uma vez que X existe necessariamente). Então, por que deveríamos pensar que Deus deve ser capaz de fazer tal coisa? Em segundo lugar, mesmo se admitirmos que a existência de Deus seja incompatível com a existência de X, por que razão se deve concluir que DEUS existe em oposição a X? Em outras palavras, se ao proponente do AO na sua forma original se permite argumentar que o conceito de X é incoerente, uma vez que a existência de Deus implica a possibilidade de haver mundos nos quais apenas Deus existe, por que o cético não pode alegar que o conceito de Deus é incoerente, já que a existência de X significa que NÃO existem mundos possíveis nos quais apenas existe Deus? Segundo me parece, tal situação é um impasse.
Nesse ponto, tenho considerado a possibilidade de apelar para fatores como simplicidade e semelhança, mas isso parece equivocado. A simplicidade pode ser importante quando se decide sobre a explicação mais provável para um dado conjunto de fatos. Mas não tenho certeza de que isso seja relevante aqui, já que o AO não é uma inferência da explicação mais provável. Antes, esse argumento parte da premissa de que a existência de Deus é ou não possível e depois nos diz qual é o resultado lógico decorrente. Se a existência de Deus é possível, logo é necessária, significando que Deus existe; se não é possível, Deus obviamente não existe.
O AO é, portanto, diferente de algo como o argumento teleológico, em que é possível que queiramos argumentar que Deus é uma explicação mais simples e mais elegante para o evidente ajuste fino do Universo do que as ontologias extravagantes postuladas pelas hipóteses dos muitos mundos. O AO é uma questão de fato metafísico. Pelo que dissemos de X, parece resultar, portanto, que ou Deus existe ou X existe (juntamente com qualquer quantidade de outros seres necessariamente existentes, pois se um AO modificado funciona em favor de X, por que não poderia funcionar para qualquer outro X definido de forma semelhante? Acho que seria possível alegar que simplesmente acrescentar “necessariamente existente” a algum ser é uma atitude, de certo modo, gratuita. Mas não consigo ver por que isso seria de alguma maneira mais gratuito do que acrescentar “maior do que tudo” a um ser, ou por que a gratuidade seria realmente importante aqui. Seja como for, X não poderia ser um número, ou um conjunto, necessariamente existente ou algo assim? Mas a verdade é que a existência de tais entidades é problemática pelas mesmas razões por que o platonismo como um todo é problemático. Mas a existência dessas entidades não parece ser logicamente impossível; nem as entidades em questão parecem conceitualmente gratuitas ou incoerentes).
Preocupo-me, portanto, quanto à correção do AO.
No entanto, preocupo-me também com as suas implicações teológicas. Afinal, à luz do AO, não se depreende que as ações de Deus sejam consequências necessárias de sua natureza, uma vez que, dado qualquer conjunto de condições, um ser maior do que tudo reagirá necessariamente da forma “maior do que tudo” possível. Criar o Universo, por exemplo, dá a Deus a oportunidade para distribuir em profusão seu amor e graça a outras criaturas, o que significa que apenas um ser menor poderia optar por não criar o Universo. Disso decorre, consequentemente, que a criação do Universo pela ação de Deus é necessária — lógica que pode ser estendida ao fato de Deus responder às orações, e, ainda pior, à morte de Cristo na cruz. De fato, segundo tal perspectiva, a única coisa que faz nosso mundo ser contingente é o livre-arbítrio do homem; e, apesar de poder ser essa a situação, ela me parece errada, já que deixa pouquíssimo espaço para a ação da graça, liberdade e soberania de Deus. O argumento ontológico parece eliminar o livre-arbítrio de Deus da mesma maneira que o fisicalismo elimina o livre-arbítrio do homem.
Como sempre, ficaria muito grato se o senhor reservasse algum tempo para abordar essas questões. (Como não tenho preparo filosófico, ficaria grato se o senhor adotasse como ponto de partida um nível modesto de conhecimento técnico — especialmente quando se tratar da natureza da necessidade!). Tenho a impressão de que o senhor abordará o argumento ontológico na sua próxima versão do livro Reasonable Faith [Apologética contemporânea: a veracidade da fé cristã, Vida Nova, 2012]. Se assim for, anseio por lê-lo. (Quer dizer, anseio por lê-lo seja como for…).
Obrigado,
James
Em primeiro lugar, James, vamos tratar da objeção à correção do argumento. O alvo da sua objeção não é realmente a exatidão do argumento. Um argumento é correto se for logicamente válido e tiver premissas verdadeiras. Já que esse argumento é logicamente válido, sua objeção à correção do argumento exigiria que você considerasse que o (AO1) é falso. Mas as paródias do argumento mencionadas por você não mostram a impossibilidade da existência de um ser grande ao máximo, ou, conforme você explica, um ser maior do que tudo. Antes, a dificuldade dessas paródias é que não há nenhuma boa razão para que o (AO1) seja entendido como verdadeiro. Afinal, qualquer razão para se considerar que essa premissa seja verdadeira seria também a razão para se aceitar uma premissa obviamente falsa em uma das paródias do argumento. Portanto, o argumento, mesmo se estiver certo, não é um argumento bom, pois não há nenhuma razão não circular para se entender que o (AO1) seja verdadeiro.
Agora, conforme você destaca, algumas das paródias, como os argumentos a favor de uma ilha de grandeza extremada ou de um leão que necessariamente existe, não são bem elaborados de forma suficiente. Temos bons fundamentos para entender que essas combinações são impossíveis, em comparação com a ideia de coerente aparência de um ser grande ao máximo. A noção mais difícil de estabelecer é a que denominei de ser grande quase ao máximo: um ser exatamente como um ser grande ao máximo, exceto por lhe faltar, por exemplo, onisciência completa (como o deus do chamado teísmo aberto, ao qual falta o conhecimento dos livres atos futuros dos homens). Meu argumento contra esse tipo de paródia é o de que qualquer razão que permita considerar ser possível um ser grande quase ao máximo também garante a crença na possibilidade de um ser grande ao máximo, mas se entendermos que um ser grande ao máximo é possível, então temos de dizer que um ser grande quase ao máximo é, afinal de contas, impossível, uma vez que é impossível aos dois coexistirem em um mesmo mundo.
Você contesta, mas por que deveríamos entender que Deus deve ser capaz de se abster de criar um ser grande ao máximo, uma vez que o fato de Deus deixar de criá-lo seria logicamente impossível? Acho que a sua questão salienta quão inadequada é uma definição de onipotência simplesmente nos termos do que é logicamente possível para alguém fazer. Tomando-se emprestado um célebre exemplo, segundo essa definição, alguém essencialmente capaz de coçar a própria orelha poderia ser considerado onipotente, uma vez que outras ações são logicamente impossíveis de serem realizadas por ele! Esse é com certeza um conceito inadequado de onipotência! De modo semelhante, se existe outro ser fora do poder criador de Deus, então isso é plausivelmente inconsistente com Deus ser onipotente. Eu diria o mesmo a respeito de números e de outros objetos abstratos existentes, alegadamente necessários: dada a existência necessária de Deus, tais objetos são, grosso modo, logicamente impossíveis. (Para uma discussão brilhante, embora técnica, sobre a definição adequada de onipotência, ver: Thomas Flint e Alfred Freddoso, “Maximal Power,”, em The Existence and Nature of God, org. Alfred Freddoso [Notre Dame, Ind.: University of Notre Dame Press, 1983], p. 81-113).
A sua segunda objeção é a mais difícil das duas: mesmo se garantirmos que a existência de Deus é incompatível com a existência de um ser grande quase ao máximo, por que se deveria concluir que a existência de Deus é possível em oposição à existência de um ser grande quase ao máximo? Aqui, minha resposta é que há uma assimetria entre as nossas intuições sobre a possibilidade de tais seres. Qualquer intuição que leve a pensar que seja possível existir um ser grande quase ao máximo também garante a crença na possibilidade de um ser grande ao máximo; de fato, o modo pelo qual chegamos a formar a ideia do primeiro foi diminuindo a ideia do segundo. Mas a nossa intuição sobre a possibilidade de um ser grande ao máximo, uma vez que entendamos suas implicações, tende a minar a nossa intuição sobre a possibilidade de um ser grande quase ao máximo. Começamos a suspeitar que, apesar das aparências, afinal de contas, não é realmente possível.
Observe que se afirma tudo isso unicamente com base no apelo às intuições modais (i.e., nossas intuições acerca do que é possível ou necessário). Mas um dos novos aspectos importantes nas discussões do argumento ontológico é o apoio a (AO1), que vai além de meras intuições modais. Aqui, as considerações sobre simplicidade podem ter realmente um papel a desempenhar. Quando se apela a esse tipo de fatores, não se está alterando a forma do argumento ontológico, mas organizando as razões na ordem devida, combinadas com as intuições modais vantajosas à verdade do (AO1).
Agora, com respeito à sua apreensão teológica, não vejo que isso tenha algo a ver com a questão de Deus ser fisicamente necessário. Mesmo se Deus existir contingentemente, desde que ele seja moralmente perfeito em sua essência, você pode pôr em ação o seu argumento de que ele está moralmente obrigado a fazer o melhor e, portanto, deve criar o melhor mundo possível. Assim, esse é um problema que afronta qualquer teísta que entende que Deus é moralmente perfeito.
A apreensão se resolverá, segundo penso, questionando-se a suposição de que existe um melhor de todos os mundos possíveis. Os mundos podem apenas melhorar cada vez mais de forma ilimitada. Afinal, para qualquer mundo que Deus decida criar haverá sempre um mundo melhor que ele poderia ter criado. Deus deve no máximo criar um mundo bom, não o mundo melhor (uma vez que não existe tal coisa). Ademais, não há razão para se entender que Deus está obrigado a criar qualquer coisa que seja. Em um mundo possível no qual Deus não cria nada, só existe ele e nada mais, paradigma e lócus da bondade — o summum bonum. Esse é um mundo muito bom, para dizer o mínimo!
William Lane Craig
Originalmente publicado como: “Ontological Argument for the Existence of God”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/ontological-argument-for-the-existence-of-god. Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Cristiano Camilo Lopes.




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